CEMITÉRIO SÃO JOÃO BATISTA & POEMAS MÓRBIDOS

"O pó que somos, é a vida; o pó que havemos de ser, é a morte; e o maior bem da vida é a morte; o maior mal da morte é a vida. Isto é o que hei-de provar" (Padre Antônio Vieira, "Sermão de Quarta-Feira de Cinza")

"Morrer... dormir; nada mais!  E com o sono, dizem, terminamos o pesar do coração e os mil naturais conflitos que constituem a herança da carne! Que fim poderia ser mais devotamente desejado?" (Shakespeare, Hamlet, príncipe da Dinamarca, tradução de F. Carlos de Almeida Cunha Medeiros e Oscar Mendes)

Anjo

BEIJO PÓSTUMO
Raimundo Correia

Do meu primeiro amor, ei-lo, o templo em ruína!
No estômago da morte, atro e voraginoso,
Essa carne ideal, deliciosa e fina,
Caiu como um manjar fino e delicioso

E antes que tudo venha a supurar em flores,
Sob o pudor da morte os membros seus inermes
Têm de ser fatalmente o pábulo dos vermes
Frios e roedores...

E o beijo que pedi e ela jamais me deu,
Que em vida quis colher e nunca foi colhido,
Cai do seu lábio como um fruto apodrecido...
Ó beijo virginal! Fruto que apodreceu!

Paulinho

DOBRE DE FINADOS
W.H. Auden, tradução Ivo Korytowski

Relógios, parar! Telefone, desligar!
Um osso suculento pro cão não ladrar.
Pianos, silêncio! Com dobres de finados
Tragam o caixão, venham os enlutados.

Aviões circulem chorosos pelo céu
Escrevendo uma mensagem: ele morreu.
Os pombos da rua laços de crepe ostentarão
Os guardas de trânsito, luvas pretas de algodão.

Ele era meu sul, norte, oriente, ocidente
Domingo de lazer, meus dias de batente
Meio-dia, meia-noite, papo, canção
Pensei que o amor fosse eterno: triste ilusão!

Sejam expulsos os astros, já não fazem sentido,
A lua empacotada, o sol destruído!
Os oceanos, secados, a mata, ceifada,
Já que tudo isso não serve mais para nada!

Jazigo do ator Cláudio de Souza mostrando um teatro grego. Em cena, as três Moiras, divindades da mitologia que determinavam o destino.

MISTÉRIO
Lucia Aizim


Morrer como os pintassilgos
na ramagem.
Como as folhas de carvalho
tragadas pelo vento.

Sempre fugidia, minha alma
provavelmente tocará
outras esferas. Não importa.

Quando o olho da lua
surgir entre a neblina
a mirar cada dia da vida:
país de muitos caminhos
ou de nenhum, talvez.

Minha alma, então,
há de perceber o longe.

Ó jardim das macieiras
Ó grande mistério.


Jazigo de Oscar e Rodolpho Bernardelli, com escultura deste último, um Santo Estêvão nu. O original pertence ao acervo do Museu Nacional de Belas Artes.

A MORTE ABSOLUTA
Manuel Bandeira


Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.

Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão — felizes! — num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.

Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?

Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento.
Em nenhuma epiderme.

Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: “Quem foi?...”

Morrer mais completamente ainda,
— Sem deixar sequer esse nome.

Jazigo de Asthon Baer Bahia, com escultura de um anjo idoso.

QUANDO EU MORRER
Castro Alves



Quando eu morrer... não lancem meu cadáver
No fosso de um sombrio cemitério...
Odeio o mausoléu que espera o morto
Como o viajante desse hotel funéreo.

Corre nas veias negras desse mármore
Não sei que sangue vil de messalina,
A cova, num bocejo indiferente,
Abre ao primeiro a boca libertina.

Ei-la a nau do sepulcro — o cemitério...
Que povo estranho no porão profundo!
Emigrantes sombrios que se embarcam
Para as plagas sem fim do outro mundo.

Tem os fogos — errantes — por santelmo,
Tem por velame — os panos do sudário...
Por mastro — o vulto esguio do cipreste,
Por gaivotas — o mocho funerário...

Ali ninguém se firma a um braço amigo
Do inverno pelas lúgubres noitadas...
No tombadilho indiferentes chocam-se
E nas trevas esbarram-se as ossadas...

Como deve custar ao pobre morto
Ver as plagas da vida além perdidas,
Sem ver o branco fumo de seus lares
Levantar-se por entre as avenidas!...

Oh! perguntai aos frios esqueletos
Por que não têm o coração no peito...
E um deles vos dirá: “Deixei-o há pouco
De minha amante no lascivo leito.”

Outro: “Dei-o a meu pai”. Outro: “Esqueci-o
Nas inocentes mãos de meu filhinho”...
... Meus amigos! Notai... bem como um pássaro
O coração do morto volta ao ninho!...


Escultura de um cão num túmulo


ORGIA CALCÁRIA
Alexei Bueno

Que grande cemitério. Estes jazigos
Guardam concentrações mudas de dor.
Essas tíbias e fêmures antigos
Como vibraram, em senis abrigos,
No ainda mais antigo ato do amor.

Como esses cóccix e ílios balançaram
Na dupla dança da penetração,
Como esses dentes frágeis se chocaram,
E essas mandíbulas se deslocaram
Nos mais sangrentos beijos da paixão.

Como esses rádios, cúbitos e úmeros
Prensaram-se a outros corpos loucamente,
E os volveram em ângulos inúmeros,
Quase acrobatas de improváveis números
Que não tiveram nunca antes na mente.

E esses ossinhos mínimos dos dedos,
Como apertaram dorsos, coxas, seios,
Como exploraram todos os segredos,
E afagaram cabelos, quando quedos,
E se entrançaram em febris enleios.

Tudo isso para criarem outros ossos
A essa mesma voragem destinados,
Sugar orelhas, mordiscar pescoços,
Todos iguais, os deles como os nossos,
Por um ígneo esquecer alucinados.

E agora este silêncio. O vento passa
E toca, sem falar, nossos ouvidos.
Folhas despencam sob a luz escassa.
Não lamentemos, nem achemos graça.
Só para isso fomos concebidos.


Arte sacra de Heitor Usai


SE EU MORRESSE AMANHÃ
Álvares de Azevedo

Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!

Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!

Que sol! que céu azul! que doce n'alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!

Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o dolorido afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!

Em 10 de março de 1852, de férias em Itaboraí, o jovem poeta sofre uma queda de cavalo, contrai um tumor e, em 25 de abril, morre de infecção generalizada. Foi enterrado no cemitério da Praia Vermelha, perto do antigo hospício, hoje UFRJ. À beira do túmulo, Joaquim Manuel de Macedo leu este poema. Em setembro, o pai pediu licença para transferir os restos mortais ao recém-inaugurado Cemitério São João Batista, já que o da Praia Vermelha foi devastado por uma ressaca. Quem achou os ossos do poeta foi seu cão, Fiel, que estivera ao seu lado no dia da queda do cavalo. Álvares de Azevedo foi a décima pessoa a ser enterrada naquele novo cemitério.




ÚLTIMO SONETO
Leonidas Castello da Costa

Que outro rumo apareça e você o siga
E eu me quede sozinho em minha estrada,
Eu compreendo e aceito, minha amiga,
Porque a vida é assim desordenada.


Muitas vezes em nossa prosa antiga,
Quando a hora para nós era encantada
E dessa solidez que não periga,
Eu lhe falei sobre essa encruzilhada. 


Eu mesmo lhe falei da hora pungente
Que chega sempre, inexoravelmente,
Na existência de todos os mortais...


Desse instante fatal em tantas vidas,
Em que se apertam duas mãos queridas
Para não se tocarem nunca mais.



A condessa

MORRI PELA BELEZA
Emily Dickinson


Morri pela Beleza – e assim que no Jazigo
Meu Corpo foi fechado,
Um outro Morto foi depositado
Num Túmulo contíguo –

Por que morreu? murmurou sua voz.
Pela Beleza – retruquei –
Pois eu – pela Verdade – É o Mesmo. Nós
Somos Irmãos. É uma só lei –

E assim Parentes pela Noite, sábios –
Conversamos a Sós –
Até que o Musgo encobriu nossos lábios –
E – nomes – logo após –

O conde

Quadra do RUBBAIYAT
Omar Khayyam, tradução Ivo Korytowski


Temos que aproveitar o tempo pela frente,
Antes que nosso corpo em pó se fragmente;
Do pó vieste e para o pó retornarás,
Sem vinho, sem canção, sem festa — para sempre!

Ao fundo, o Corcovado

ÚLTIMO FANTASMA
Castro Alves

Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso,
Que te elevas da noite na orvalhada?
Tens a face nas sombras mergulhada...
Sobre as névoas te libras vaporoso ...

Baixas do céu num voo harmonioso!...
Quem és tu, bela e branca desposada?
Da laranjeira em flor a flor nevada
Cerca-te a fronte, ó ser misterioso!...

Onde nos vimos nós? És doutra esfera?
És o ser que eu busquei do sul ao norte...
Por quem meu peito em sonhos desespera?...

Quem és tu? Quem és tu? — És minha sorte!
És talvez o ideal que est'alma espera!
És a glória talvez! Talvez a morte!


Nelson Rodrigues

VERSOS A UM COVEIRO
Augusto dos Anjos


Numerar sepulturas e carneiros,
Reduzir carnes podres a algarismos,
Tal é, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros!

Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos
Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,
Na progressão dos números inteiros
A gênese de todos os abismos!

Oh! Pitágoras da última aritmética,
Continua a contar na paz ascética
Dos tábidos carneiros sepulcrais:

Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,
Porque, infinita como os próprios números,
A tua conta não acaba mais!

Anjo

REMORSO PÓSTUMO
Baudelaire, tradução de Guilherme de Almeida


Quando fores dormir, ó bela tenebrosa,
Num negro mausoléu de mármores, e não
Tiveres por alcova e morada senão
Uma fossa profunda e uma tumba chuvosa;

Quando a pedra, oprimindo essa carne medrosa
E esses flancos sensuais de morna lassidão,
Impedir de querer e arfar seu coração
E teus pés de seguir a trilha aventurosa,

O túmulo que tem um confidente em mim
— Porque o túmulo sempre há de entender o poeta —
Na insônia sepulcral destas noites sem fim,

Dir-te-á: “De que serviu cortesã incompleta,
Não ter tido o que em vão choram os mortos sós?”
— E o verme te roerá como um remorso atroz.

Mausoléu da Academia Brasileira de Letras

OSSA MEA I
Alphonsus de Guimaraens

Desesperanças! réquiem tumultuário
Na abandonada igreja sem altares...
A noite é branca, o esquife é solitário,
E a cova, ao longe, espreita os meus pesares.

Sinos que dobram, dobras de sudário!
No silêncio das noites tumulares
Há de surgir o espectro funerário,
Cujos olhos sem luz não têm olhares.

Santo alívio de paz, consolo pio,
Fonte clara no meio do deserto,
Manto que cobre aqueles que têm frio!

Eis-me esperando o derradeiro trono:
Que a morte vem de manso, em dia incerto,
E fecha os olhos dos que têm mais sono...


Lápide do antigo jazigo perpétuo de Carolina & Machado, que agora repousam no mausoléu da ABL

HÃO DE CHORAR POR ELA OS CINAMOMOS...
Alphonsus de Guimaraens


Hão de chorar por ela os cinamomos,
Murchando as flores ao tombar do dia.
Dos laranjais hão de cair os pomos,
Lembrando-se daquela que os colhia. 

As estrelas dirão – “Ai! nada somos,
Pois ela se morreu silente e fria...”
E pondo os olhos nela como pomos,
Hão de chorar a irmã que lhes sorria.

A lua, que lhe foi mãe carinhosa,
Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la
Entre lírios e pétalas de rosa.

Os meus sonhos de amor serão defuntos...
E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,
Pensando em mim: – “Por que não vieram juntos?”

Pulvis es, et in pulverem reverteris (Gênesis, 3:19)

ÁRIA FÚNEBRE
Alphonsus de Guimaraens

Dobra a finados. Sol no ocaso
Cintila em rubras chispas de cobre.
— Bom padre, tu saberás ocaso
Para quem é tão tristonho dobre?

— É para tua formosa amada,
Que morreu hoje sem confissão,
— Pobre finada, pobre finada…
Dobra com força, mau sacristão!

— Bom marceneiro que vais andando,
Saberás tu quem perdeu a vida?
Ao longe o sino morre dobrando…
Para quem leva essa medida?

— É para a tua formosa amada…
Eis o tamanho do seu caixão.
— Pobre finada, pobre finada…
Dobra com força, mau sacristão!

Como uma rosa dentro de um ninho,
A lua nasce no céu de outono,
— De enxada e pá segues teu caminho
Coveiro, quem dorme o eterno sono?

— Não sei se é noiva, não sei se é casada…
Mais uma vez eu vou cavar o chão.
— Reza coveiro, pela finada…
Dobra com força, mau sacristão!


Ao filhinho adorado

TABACARIA (trecho)
Fernando Pessoa

Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o deconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo. Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas.

Mausoléu da família Segreto, cujo membro mais influente, Paschoal Segreto, foi dono de teatros e pioneiro do cinematógrafo

SE EU MORRER PRIMEIRO
Augusto Frederico Schmidt

Se eu morrer primeiro
E me vires gelado, de mãos cruzadas,
Cheio de flores no caixão —
Tu me olharas horrorizada.
Mas sobre a imagem sepultada
O esquecimento, em breve tempo,
Chegara.
E eu não serei mais nada que um instante,
Muito distante
Vago e apagado
Do teu passado
E nada mais.
Se morreres, porém, antes de mim,
E gelada eu te olhar
Cheia de flores no caixão —
Tanta dor conterá meu coração
Que, se Deus não quiser também levar-me,
Serei apenas uma sombra errante
Buscando sempre a tua sombra
E nada mais!



Ossário dos operários do cemitério

O DEFUNTO
Pedro Nava



Quando morto estiver meu corpo,
evitem os inúteis disfarces,
os disfarces com que os vivos,
só por piedade consigo,
procuram apagar no Morto
o grande castigo da Morte.

Não quero caixão de verniz
nem os ramalhetes distintos,
os superfinos candelabros
e as discretas decorações.

Quero a Morte com mau gosto!

Deem-me coroas de panos
Deem-me as flores do roxo pano,
angustiosas flores de pano,
enormes coroas maciças,
como enormes salva-vidas,
com fitas negras pendentes.

E descubram bem minha cara:
que a vejam bem os amigos.
Que a não esqueçam os amigos
e que ela lance nos seus espíritos
a incerteza, o pavor, o pasmo...
E a cada um leve bem nítida
a ideia da própria morte.

Descubram bem esta cara!

Descubram bem estas mãos:
Não se esqueçam destas mãos!
— Meus amigos! olhem as mãos!
Onde andaram, que fizeram,
em que sexos se demoraram
seus sabidos quirodáctilos?
Foram nelas esboçados
todos os gestos malditos:
até furtos fracassados
e interrompidos assassinatos.

— Meus amigos! olhem as mãos
que mentiram às vossas mãos...
Não se esqueçam!
elas fugiram
da suprema purificação
dos possíveis suicídios...
— Meus amigos! olhem as mãos,
as minhas e as vossas mãos!

Descubram bem minhas mãos!

Descubram todo o meu corpo.
Exibam todo o meu corpo
e até mesmo do meu corpo
as partes excomungadas,
as sujas partes sem perdão
que eu esmagava nos sábados
e que aos domingos renasciam...

— Meus amigos! olhem as partes...
Fujam das partes.
Das punitivas, malditas partes...
Eu quero a morte nua e crua
terrífica e habitual,
com seu velório habitual.
— Ah! o seu velório habitual!

Não me envolvam num lençol:
a franciscana humildade,
bem sabeis que se não casa
com meu amor pela Carne,
com meu apego do mundo.

E quero ir de casimira:
de jaquetão com debrum,
calça listrada, plastron
e os mais altos colarinhos.
Deem-me um terno de ministro
ou roupa nova de noivo...
E assim solene e sinistro
quero ser um tal defunto,
um morto tão acabado,
tão aflitivo e pungente,
que sua lembrança envenene
o que restar aos meus amigos
de vida sem minha vida.

— Meus amigos! lembrem de mim.
Se não de mim, deste morto,
deste pobre terrível morto
que vai se deitar para sempre,
calçando sapatos novos!
Que se vai como se vão
os penetras escorraçados,
as prostitutas recusadas
e os amantes despedidos.
Que se vai como se vão
os que saem enxotados
e tornariam sem brio
a qualquer gesto de chamada.

— Meus amigos, tenham pena,
senão do morto, ao menos
dos dois sapatos do morto!
Dos seus incríveis, patéticos
sapatos pretos de verniz.
Olhai bem estes sapatos
e olhai os vossos também.


Vejam este vídeo que fiz sobre o misterioso Cemitério dos Anjinhos no São João Batista.

TÚMULO
Ricardo Gonçalves (do livro Ipês

Modesta cruz de pau numa clareira, 
Onde pipilem trêfegos sanhaços; 
Modesta, sim, mas que uma trepadeira, 
Para enfeitá-la, cinja-lhe os dois braços. 

E que eu repouse ali, na hospitaleira 
Sombra do bosque, livre de cansaços, 
Como quem, pelas horas da soalheira [=hora de calor mais intenso], 
Foge da estrada aos cálidos mormaços. 

Ei-lo o túmulo simples que ambiciono 
Para deitar a carne fatigada, 
Para dormir o derradeiro sono. 

Como serei feliz no meu jazigo! 
Aves, flores, a mata embalsamada [=impregnada de bálsamos, perfumada], 
E eu a dormir, eu a sonhar contigo...

Cemitério dos Anjinhos, com cruzes de bebês não identificados

ESQUIFE
Alexei Bueno (do livro O sono dos humildes

Obra mais sórdida do engenho humano, 
Navio sem convés que não navega, 
Mercadoria de uma só entrega 
Ao que a usará. Retângulo profano, 
Armário horizontal de pau e pano, 
O menor peso cabe ao que o carrega. 
Ser carregado nele, o instante insano.

Túmulo do escritor José de Alencar e esposa

2 comentários:

Dona Sra. Urtigão disse...

Excelente trabalho.
Comentar? A beleza nas fotos? É mais do que isso. A escolha das poesias? Também não é só isso. Gostei e pronto.

Lírio das Almas disse...

Post Mortem

Alma envolta em sentimento e ternura,
Feito uma santa de um rosto angelical;
Junto com flores sublimes da sepultura,
Em sua dormência, solene e sepulcral...

Nesta lividez de tão cândida alvura,
De frias mãos em mantos sonolentos;
Beleza fenecida de lânguida candura,
Jaz o silêncio de pétreos monumentos...

Contigo esta flor, lacrimosa, tristonha,
Tal como quem serenamente sonha,
Com o gozo celestial, dos anjos, da Paz...

Mas eis que junto ao Cristo marmóreo,
Dentro do recinto plangente, merencório,
Olvidar o nosso amor, estas campas jamais...


seja bem vindo a Lirio das Almas http://liriodalma.blogspot.com.br/